O movimento de descolonização na África
e na Ásia, ocorrido a partir de meados do século XX, pode ser explicado por
fatores externos e internos a esses territórios.
Externamente,
a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria transformaram o mundo. A Europa, antes
protagonista do poder global, perdeu espaço para Estados Unidos e União
Soviética. Essa mudança contribui para enfraquecer o controle europeu sobre
suas colônias e criou oportunidades que fortaleceram as lutas anticoloniais na
África e na Ásia.
Internamente,
a “pacificação” dos territórios conquista, celebrada pelas potências
imperialistas como um efeito benéfico, contribuiu para consolidar uma
identidade nacional entre membros de diversas comunidades na África e na Ásia. Além
disso, o crescimento demográfico nessas regiões ampliou a diferença numérica
entre os colonos europeus, menos numerosos, e as populações locais.
O
surgimento de elites locais gerou uma série de críticas ao modelo colonial, que
se acentuaram à medida que vários dos membros dessas elites se deslocavam para
a Europa a fim de completar seus estudos e lá estabeleciam contatos com
intelectuais de vários partes do mundo. A marginalização dessas elites nativas
em empregos e cargos subalternos alimentou frustações que geraram
reivindicações de acesso a postos políticos nas colônias. Somava-se a isso a
percepção de que a exploração econômica colonial mostrava-se favorável apenas
às metrópoles, desmentindo o discurso de que a presença imperial traria
progresso e bem-estar a todos.
É
importante lembrar que o termo “descolonização” não deve ser confundido com o
fim das mazelas coloniais. Sabe-se que, em muitos casos, apesar da conquista da
soberania política e do estabelecimento de Estados nacionais independentes na
África e na Ásia, a condição de dependência de muitos países em relação à
Europa, aos Estados Unidos ou à União Soviética foi mantida, principalmente a
econômica. A “descolonização”, em diversos casos, não trouxe apenas liberdade e
autonomia, mas crises e diversos problemas sociais, frutos da época do
colonialismo.
Apesar
da influência externa, com o apoio dos Estados Unidos e União Soviética à luta
anticolonial – uma vez que ambos enxergavam esses territórios como uma
oportunidade de ampliar suas respectivas áreas de influência -, não podemos
considerar a Guerra Fria como o fator essencial para a derrocada do
colonialismo.
Se
levarmos em consideração seus desdobramentos, a emancipação da África e da Ásia
deve ser estudada como um processo contínuo, que se inicia em 1945 e é
alimentado por um conjunto de fatores cumulativos. Esses fatores não
correspondem somente à nova configuração bipolarizada do sistema internacional,
mas se referem, principalmente, às dinâmicas internas às próprias colônias,
experimentadas desde a chegada dos europeus.
Durante
a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, as colônias contribuíram com suas
metrópoles fornecendo soldados e mantimentos para os exércitos Aliados. As metrópoles,
por sua vez, prometiam recompensar esse esforço de guerra com reformas, que, no
entanto, não foram realizadas, mesmo após a vitória no conflito.
No
período entreguerras houve o apogeu dos impérios coloniais – fator decisivo na relação
entre os europeus e os povos colonizados – e o vigoroso fortalecimento dos
nacionalismos nas colônias. Nos anos 1930, o colonialismo atingiu sua máxima
amplitude territorial e econômica, impulsionado pelo crescimento do
extrativismo nos territórios dominados. Desse modo, à frustração inicial pelo
não cumprimento das promessas de reforma somaram-se os efeitos cumulativos da
colonização, sobretudo aqueles oriundos da crise de 1929, que levaram ao
agravamento da exploração.
As
áreas submetidas ao colonialismo na África e na Ásia possuíam uma longa tradição
de resistência contra a presença europeia desde o século XIX. Na África
Setentrional, por exemplo, ocorreram diversas revoltas organizadas por
sudaneses (1881-1884, 1900 e 1904), egípcios (1860 e 1882) e somalis (1884 e
1894) contra a dominação britânica. Além da existência de um sentimento
nacionalista, essa resistência muitas vezes também foi movida por ideias
religiosas, que se transformaram em instrumentos de oposição.
Mamadou Lamine |
A
rebelião de Mamadou Lamine contra o domínio europeu, ocorrida no Senegal entre
1898 e 1901, é um exemplo da presença religiosa nos movimentos de resistência
na África. Os rebeldes partiam da crença de que os islâmicos estavam proibidos
de viver sob uma autoridade não islâmica e, portanto, deveriam rebelar-se
contra o dominador europeu.
Na
Índia, por sua vez, o Partido do Congresso, que no século XX lideraria a luta
pela independência, foi fundado em 1885. A vitória do Japão sobre a Rússia, em
1905, e a Revolução nacionalista ocorrida na China, em 1912, contribuíram para
criar nos asiáticos um sentimento de soberania que seria crucial para a luta
anticolonial.
Outro
aspecto que contribuiu para antecipar os movimentos de emancipação na Ásia foi
a expansão imperial japonesa. À medida que a derrota japonesa na Segunda Guerra
Mundial se aproximava, nos territórios dominados pelo Japão, como Indochina e
Coreia, eclodiu uma série de movimentos pela independência. No contexto da
Guerra Fria, esses movimentos tendiam a combinar a luta contra a dominação
estrangeira com a luta contra o capitalismo, como aconteceu na China, no Vietnã
e na Coreia.
Para
os povos submetidos à dominação colonial, o colonizador cada vez mais
representava a figura do privilégio. As principais razões para os atritos
nessas áreas eram as constantes barreiras jurídicas impostas aos colonizados,
geralmente vítimas de racismo e impedidos de ocupar cargos públicos
importantes. Opondo-se ao colonialismo cultural, os colonizados exigiam o
ensino na língua dos ancestrais, além da língua do dominador, e o direito de
exercer o ofício de professor. Nesse sentido, as bandeiras nacionalistas
representavam uma maneira de os povos colonizados afirmarem sua identidade.
O
1º Congresso Pan-Africanismo foi organizado em Paris, em 1919. Seus participantes
defendiam a emancipação gradual das colônias e a ampliação dos direitos civis
dos negros norte-americanos. Além disso, conclamavam os descendentes de
africanos a retornarem à África.
1º Congresso Pan-africanismo |
No
ano de 1934, também em Paris, os estudantes negros Léopold Sédar Senghor
(Senegal), Aimé Césaire (Martinica) e Léon Damas (Guiana Francesa) fundaram a
revista O Estudante Negro, para ser uma porta-voz da identidade negra e de sua
cultura, perante a cultura francesa, dominante e opressora. Com essa iniciativa,
lançaram o conceito de negritude, que traduzia o conjunto de valores culturais
da África negra, influenciados pelas ideias socialistas, que forneceram a base
política do movimento, os jovens estudantes viam a luta contra o colonizador
como parte da luta contra o capitalismo, aspecto eu aproximava os ideais da
negritude de outros movimentos revolucionários da época.
Além
disso, os adeptos da ideia de negritude defendiam que os laços culturais
estavam acima das fronteiras políticas e proclamavam a união dos povos
africanos e de seus descendentes fora da África em torno da tarefa de resgatar
as raízes da África primordial, o orgulho africano asfixiado pela colonização. Inicialmente
um movimento artístico e literários, a negritude, aos poucos, transformou-se em
uma bandeira de muitos africanos e afrodescendentes, em busca de uma identidade
e de um ancestralidade negras.
Posteriormente,
o conceito de negritude sofreu vários críticas por exprimir uma visão um tanto
idílica e glorificada dos valores africanos, sua história e suas realizações. Também
acusado de ser demasiado simplista e ver os diferentes povos da África negra
como uma unidade, da mesma forma como havia feito o colonizador, ignorando o
caráter multicultural das sociedades africanas.
Para
os críticos da negritude, em nome da identidade maior, a racial, as identidades
menores teriam sido apagadas; as identidades de homens e mulheres teriam sido
diluídas em um grande gruo étnico uniforme e impessoal.
O
intelectual francês Jean-Paul Sartre, em sua obra Orfeu negro, acusava o
movimento de criar um racismo antirracista, embora admitisse que, mesmo equivocada,
a negritude representava uma etapa de negação do mito da supremacia branca e
preparava a superação das diferenças biológicas e a realização do ser humano em
uma sociedade sem raças.
Apesar
de todos os desvios que a negritude alimentou, é inegável sua importância nos
processos de emancipação da África e na organização de ações pela valorização
das histórias e das tradições africanas, ou de matriz africana, e pela
superação das desigualdades socioeconômicas e políticas que em grande parte
foram produzidas pela escravidão e pelo colonialismo.
A
partir de 1945, mais especificamente do 5º Congresso Pan-Africano, realizado na
Grã-Bretanha, o pan-africanismo tornou-se o motor ideológico dos movimentos de
independência africanos. Pela primeira vez falou-se diretamente em
independência.
As
antigas reivindicações, formuladas pelos líderes africanos e encaminhadas às
metrópoles pela realização de reformas políticas para abrandar os efeitos do
colonialismo, foram substituídas pelo repúdio ao sistema colonial e à presença
europeia no continente africano.
Kwame Nkrumah |
O
5º Congresso marcou uma mudança de estratégia no pan-africanismo, e o movimento
voltou-se para o continente africano com propostas políticas e econômicas
concretas. A elite intelectual dos africanos espalhados pelo mundo, entre eles
Kwame Nkrumah, Jomo Kenyatta, Leópold Senghor e Patrice Lumumba, agora assumia a liderança do
movimento pela independência, papel que, os levaria ao governo dos Estados
recém-libertados do domínio colonial.
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