domingo, 19 de agosto de 2018

O processo de emancipação na África e na Ásia

O movimento de descolonização na África e na Ásia, ocorrido a partir de meados do século XX, pode ser explicado por fatores externos e internos a esses territórios.
        Externamente, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria transformaram o mundo. A Europa, antes protagonista do poder global, perdeu espaço para Estados Unidos e União Soviética. Essa mudança contribui para enfraquecer o controle europeu sobre suas colônias e criou oportunidades que fortaleceram as lutas anticoloniais na África e na Ásia.
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        Internamente, a “pacificação” dos territórios conquista, celebrada pelas potências imperialistas como um efeito benéfico, contribuiu para consolidar uma identidade nacional entre membros de diversas comunidades na África e na Ásia. Além disso, o crescimento demográfico nessas regiões ampliou a diferença numérica entre os colonos europeus, menos numerosos, e as populações locais.
        O surgimento de elites locais gerou uma série de críticas ao modelo colonial, que se acentuaram à medida que vários dos membros dessas elites se deslocavam para a Europa a fim de completar seus estudos e lá estabeleciam contatos com intelectuais de vários partes do mundo. A marginalização dessas elites nativas em empregos e cargos subalternos alimentou frustações que geraram reivindicações de acesso a postos políticos nas colônias. Somava-se a isso a percepção de que a exploração econômica colonial mostrava-se favorável apenas às metrópoles, desmentindo o discurso de que a presença imperial traria progresso e bem-estar a todos.
        É importante lembrar que o termo “descolonização” não deve ser confundido com o fim das mazelas coloniais. Sabe-se que, em muitos casos, apesar da conquista da soberania política e do estabelecimento de Estados nacionais independentes na África e na Ásia, a condição de dependência de muitos países em relação à Europa, aos Estados Unidos ou à União Soviética foi mantida, principalmente a econômica. A “descolonização”, em diversos casos, não trouxe apenas liberdade e autonomia, mas crises e diversos problemas sociais, frutos da época do colonialismo.
        Apesar da influência externa, com o apoio dos Estados Unidos e União Soviética à luta anticolonial – uma vez que ambos enxergavam esses territórios como uma oportunidade de ampliar suas respectivas áreas de influência -, não podemos considerar a Guerra Fria como o fator essencial para a derrocada do colonialismo.
        Se levarmos em consideração seus desdobramentos, a emancipação da África e da Ásia deve ser estudada como um processo contínuo, que se inicia em 1945 e é alimentado por um conjunto de fatores cumulativos. Esses fatores não correspondem somente à nova configuração bipolarizada do sistema internacional, mas se referem, principalmente, às dinâmicas internas às próprias colônias, experimentadas desde a chegada dos europeus.
        Durante a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, as colônias contribuíram com suas metrópoles fornecendo soldados e mantimentos para os exércitos Aliados. As metrópoles, por sua vez, prometiam recompensar esse esforço de guerra com reformas, que, no entanto, não foram realizadas, mesmo após a vitória no conflito.
        No período entreguerras houve o apogeu dos impérios coloniais – fator decisivo na relação entre os europeus e os povos colonizados – e o vigoroso fortalecimento dos nacionalismos nas colônias. Nos anos 1930, o colonialismo atingiu sua máxima amplitude territorial e econômica, impulsionado pelo crescimento do extrativismo nos territórios dominados. Desse modo, à frustração inicial pelo não cumprimento das promessas de reforma somaram-se os efeitos cumulativos da colonização, sobretudo aqueles oriundos da crise de 1929, que levaram ao agravamento da exploração.
        As áreas submetidas ao colonialismo na África e na Ásia possuíam uma longa tradição de resistência contra a presença europeia desde o século XIX. Na África Setentrional, por exemplo, ocorreram diversas revoltas organizadas por sudaneses (1881-1884, 1900 e 1904), egípcios (1860 e 1882) e somalis (1884 e 1894) contra a dominação britânica. Além da existência de um sentimento nacionalista, essa resistência muitas vezes também foi movida por ideias religiosas, que se transformaram em instrumentos de oposição.
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Mamadou Lamine
        A rebelião de Mamadou Lamine contra o domínio europeu, ocorrida no Senegal entre 1898 e 1901, é um exemplo da presença religiosa nos movimentos de resistência na África. Os rebeldes partiam da crença de que os islâmicos estavam proibidos de viver sob uma autoridade não islâmica e, portanto, deveriam rebelar-se contra o dominador europeu.
        Na Índia, por sua vez, o Partido do Congresso, que no século XX lideraria a luta pela independência, foi fundado em 1885. A vitória do Japão sobre a Rússia, em 1905, e a Revolução nacionalista ocorrida na China, em 1912, contribuíram para criar nos asiáticos um sentimento de soberania que seria crucial para a luta anticolonial.
        Outro aspecto que contribuiu para antecipar os movimentos de emancipação na Ásia foi a expansão imperial japonesa. À medida que a derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial se aproximava, nos territórios dominados pelo Japão, como Indochina e Coreia, eclodiu uma série de movimentos pela independência. No contexto da Guerra Fria, esses movimentos tendiam a combinar a luta contra a dominação estrangeira com a luta contra o capitalismo, como aconteceu na China, no Vietnã e na Coreia.
        Para os povos submetidos à dominação colonial, o colonizador cada vez mais representava a figura do privilégio. As principais razões para os atritos nessas áreas eram as constantes barreiras jurídicas impostas aos colonizados, geralmente vítimas de racismo e impedidos de ocupar cargos públicos importantes. Opondo-se ao colonialismo cultural, os colonizados exigiam o ensino na língua dos ancestrais, além da língua do dominador, e o direito de exercer o ofício de professor. Nesse sentido, as bandeiras nacionalistas representavam uma maneira de os povos colonizados afirmarem sua identidade.
        O 1º Congresso Pan-Africanismo foi organizado em Paris, em 1919. Seus participantes defendiam a emancipação gradual das colônias e a ampliação dos direitos civis dos negros norte-americanos. Além disso, conclamavam os descendentes de africanos a retornarem à África.
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1º Congresso Pan-africanismo 
        No ano de 1934, também em Paris, os estudantes negros Léopold Sédar Senghor (Senegal), Aimé Césaire (Martinica) e Léon Damas (Guiana Francesa) fundaram a revista O Estudante Negro, para ser uma porta-voz da identidade negra e de sua cultura, perante a cultura francesa, dominante e opressora. Com essa iniciativa, lançaram o conceito de negritude, que traduzia o conjunto de valores culturais da África negra, influenciados pelas ideias socialistas, que forneceram a base política do movimento, os jovens estudantes viam a luta contra o colonizador como parte da luta contra o capitalismo, aspecto eu aproximava os ideais da negritude de outros movimentos revolucionários da época.
        Além disso, os adeptos da ideia de negritude defendiam que os laços culturais estavam acima das fronteiras políticas e proclamavam a união dos povos africanos e de seus descendentes fora da África em torno da tarefa de resgatar as raízes da África primordial, o orgulho africano asfixiado pela colonização. Inicialmente um movimento artístico e literários, a negritude, aos poucos, transformou-se em uma bandeira de muitos africanos e afrodescendentes, em busca de uma identidade e de um ancestralidade negras.
        Posteriormente, o conceito de negritude sofreu vários críticas por exprimir uma visão um tanto idílica e glorificada dos valores africanos, sua história e suas realizações. Também acusado de ser demasiado simplista e ver os diferentes povos da África negra como uma unidade, da mesma forma como havia feito o colonizador, ignorando o caráter multicultural das sociedades africanas.
        Para os críticos da negritude, em nome da identidade maior, a racial, as identidades menores teriam sido apagadas; as identidades de homens e mulheres teriam sido diluídas em um grande gruo étnico uniforme e impessoal.
        O intelectual francês Jean-Paul Sartre, em sua obra Orfeu negro, acusava o movimento de criar um racismo antirracista, embora admitisse que, mesmo equivocada, a negritude representava uma etapa de negação do mito da supremacia branca e preparava a superação das diferenças biológicas e a realização do ser humano em uma sociedade sem raças.
        Apesar de todos os desvios que a negritude alimentou, é inegável sua importância nos processos de emancipação da África e na organização de ações pela valorização das histórias e das tradições africanas, ou de matriz africana, e pela superação das desigualdades socioeconômicas e políticas que em grande parte foram produzidas pela escravidão e pelo colonialismo.
        A partir de 1945, mais especificamente do 5º Congresso Pan-Africano, realizado na Grã-Bretanha, o pan-africanismo tornou-se o motor ideológico dos movimentos de independência africanos. Pela primeira vez falou-se diretamente em independência.
        As antigas reivindicações, formuladas pelos líderes africanos e encaminhadas às metrópoles pela realização de reformas políticas para abrandar os efeitos do colonialismo, foram substituídas pelo repúdio ao sistema colonial e à presença europeia no continente africano.
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Kwame Nkrumah
        O 5º Congresso marcou uma mudança de estratégia no pan-africanismo, e o movimento voltou-se para o continente africano com propostas políticas e econômicas concretas. A elite intelectual dos africanos espalhados pelo mundo, entre eles Kwame Nkrumah, Jomo Kenyatta, Leópold Senghor e Patrice  Lumumba, agora assumia a liderança do movimento pela independência, papel que, os levaria ao governo dos Estados recém-libertados do domínio colonial.

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