CURSO
DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO EDUCACIONAL ALFA
A RELIGIÃO AFROBRASILEIRA COMO FORMA DE RESISTÊNCIA
AO PRECONCEITO ÉTNICO NA SOCIEDADE BRASILEIRA
MOISÉS DE PAULA RODRIGUES
CARATINGA
2015
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO
EDUCACIONAL ALFA
A
RELIGIÃO AFROBRASILEIRA COMO FORMA DE RESISTÊNCIA AO PRECONCEITO ÉTNICO NA
SOCIEDADE BRASILEIRA
MOISÉS
DE PAULA RODRIGUES
Dissertação
apresentada à Coordenação do curso de pós-graduação de Ciência da Religião, da
Pontifícia Universidade à Uniandrade, como requisito parcial para a obtenção do
Grau de pós-graduado.
CARATINGA
2015
Sumário
Resumo
A história da construção da identidade do
povo brasileiro é delineada por contornos peculiares, onde a miscigenação de
variados elementos culturais se fazem presentes. Com isso, verifica-se a
simbiose de mecanismos diversificados na elaboração sistemática da cultura da
sociedade. É inegável que a contribuição dos negros e seus valores e costumes
tradicionais, herança trazida do continente africano, incorporou uma
configuração específica em solo nacional. Com isso, a miscigenação com a
cultura predominante no Brasil colonial, o catolicismo, promoveu sua adequação
à nação em processo de construção. Portanto, a chegada da religião africana no
Brasil se tornou presumível com o estabelecimento do aparato colonial
orquestrado pelos portugueses. Ao chegarem ao país, um ambiente distinto de sua
localidade de origem, os escravos desenvolveram mecanismos no sentido de
manterem suas crenças e tradições. A alternativa encontrada foi promover a
mistura com elementos inerentes ao catolicismo, com a finalidade, mormente, de
ocultar suas crenças do poder vigente. Entretanto, algumas conjecturas
preconceituosas e providas de noções inverídicas sobre o assunto, ainda são
vinculadas nos grandes veículos de comunicação. Em decorrência desse fato,
deve-se enfatizar que as práticas preconceituosas ainda se fazem presentes em
nossa comunidade. Mesmo com o poder governamental adotando medidas para
enfraquecer as peculiaridades de sua religião, os afrodescendentes obtiveram
sucesso no sentido de viabilizar o fortalecimento de seus valores no âmago da
sociedade. Com isso, a religião se tornou um elemento de fundamental
importância para instituir importantes movimentos de resistência ao
preconceito. Vale ressaltar que tal assertiva é aplicada nos dias atuais, pois
os afrodescendentes ainda buscam pela valorização de suas crenças e tradições.
Não há a preocupação em desmistificar as ideias relacionadas ao objeto de
estudo em questão, com a finalidade, sobretudo, de diminuir o racismo e o
isolamento com relação às religiões de origem africana.
Introdução
A desmistificação de alguns
conceitos empregados na sociedade ao longo da história, principalmente
concernente à estrutura funcional do continente africano, é um dos objetivos do
trabalho apresentado. Com isso, torna-se possível analisar com mais detalhes as
características da cultura trazida pelos escravos africanos ao país a partir do
século XVI. A fundamentação teórica abordada consiste no aspecto intrínseco da
religião e sua função no sentido de promover a sobrevivência das tradições das
camadas consideradas minoritárias na sociedade.
Objetivando analisar a religião
genuinamente africana, o primeiro capítulo considerou as crenças e tradições
milenares dos povos africanos. Houve a preocupação em questionar noções
inverídicas e totalmente ultrapassadas sobre o assunto em questão. Em outras palavras,
houve a dissociação da imagem do continente africano ao ideal de homogeneidade
e insignificância no âmago da história universal. Como alicerces da pesquisa
foram apresentados algumas ideias de teóricos renomados que associam a história
da África a pressupostos de selvageria e barbárie, como se os africanos não
fossem agentes ativos da construção da sua própria história.
Vale
ressaltar que a África é peculiarmente marcada pela diversidade de preceitos e
culturas, uma vez que as comunidades que compõem o continente se dedicavam
consideravelmente ao comércio com outros povos, facilitando a permutação de
ideias e valores. Com isso, o continente africano representa um mosaico, onde
milhares de povos com traços e costumes culturais diversificados se encontram.
Nem mesmo os dialetos diferentes foram empecilhos na troca de concepções
filosóficas e fundamentação de pressupostos religiosos díspares.
No que tange o segundo capítulo,
ocorreu a sistematização de um conjunto de ideias que evidenciavam a
importância da religião como um suporte empregado pelos escravos no sentido de
garantirem sua resistência física e, sobretudo, cultural. Vale destacar que o
aparelho repressivo orquestrado pela ordem colonial não desestruturou o
universo místico-religioso dos africanos que chegaram ao Brasil. Com isso, os
afrodescendentes conseguiram fundamentar uma nova identidade no país, caracterizada
pela diversidade de concepções e pluralismo de valores e crenças.
Contudo,
deve-se enfatizar que, no transcorrer da pesquisa, o objeto de análise foi
exposto de uma forma imparcial. Em outras palavras, as ideais filosofias
particulares não se fizeram presentes no processo de elaboração da pesquisa. Um
dos fatos debatidos ao longo do trabalho consiste em apresentar a incorporação
de elementos característicos do catolicismo na religião originária do
continente africano. Com isso, verifica-se a existência de uma nova forma de se
inserir a figura do negro e todo o seu universo mitológico na sociedade
brasileira. A estrutura fundamental da religião trazida pelos escravos foi
sendo adaptadas à realidade local, buscando, mormente, na religião católica a
sua personificação singular.
Capítulo 1: África: pluralidade de dogmas religiosos
Um
dos objetivos do trabalho apresentado consiste em sistematizar um conjunto de
crenças e dogmas que fizeram parte do universo místico das sociedades
africanas, tendo como parâmetro as modificações ocorridas no aspecto religioso
ao desembarcar em portos brasileiros em meados do século XVI. Torna-se de
providencial importância analisar as características das sociedades africanas,
em seu âmbito cultural e religioso, entes de chegar ao Brasil, isto é,
discorrer sobre a religião genuinamente africana.
Vale
ressaltar que o continente africano é marcado por uma nítida diversidade
cultural. No tocante ao plano religioso, verifica-se que a estrutura
orquestrada pelos líderes locais obedece a uma simbologia específica. Em outras
palavras, existem diversos fatores responsáveis pelas especificidades culturais
e religiosas das sociedades africanas.
Um
dos aspectos verificados diz respeito ao comércio, ou seja, a porta de entrada
para a consolidação da religião nas comunidades são as transações comerciais. O
contato com o império romano por parte das sociedades do norte da África,
principalmente para o abastecimento de grãos, por exemplo, contribuiu para a
penetração do cristianismo na região. Sem contar que, com o comércio marítimo
realizado através mar vermelho e pelo istmo de Suez, facilitou a entrada do
islamismo na localidade a posteriori.
Portanto,
vale destacar que o cristianismo e o islamismo se fizeram presentes, juntamente
com as tradições locais, na história de formação e constituição das populações
autóctones. Povos se formaram e se estruturaram seguindo princípios e dogmas
religiosos dos povos europeus em concomitância, contribuindo para a
diversificação organizacional das comunidades tradicionais.
Torna-se
de providencial importância analisar algumas conjecturas preconceituosas sobre
a história do continente africano. Em diversas esferas da nossa sociedade, até
mesmo no ambiente da elite científica nos deparamos com discursos que
desvalorizam a pluralidade cultural da África. Com isso, o continente africano
constitui uma incógnita, uma barreira intransponível, um objeto de conhecimento
que está além da capacidade humana de interação. Um dos equívocos verificados
consiste em apresentar o continente como algo homogêneo em sua estruturação
religiosa, associando a sua história à ação dos colonizadores europeus,
sistematizando um conjunto de ideais racistas com a finalidade de desqualificar
os povos africanos.
No estado de selvageria achamos o
africano, enquanto podemos observá-lo e assim tem permanecido. O negro
representa o homem natural em toda a sua barbárie e violência; para
compreendê-lo devemos esquecer todas as representações europeias. Devemos
esquecer Deus e a lei moral. Para compreendê-lo exatamente, devemos abstrair de
todo respeito e moralidade, de todo o sentimento. Tudo isto está no homem em
seu estado bruto, em cujo caráter nada se encontra que pareça humano[1].
Vale destacar que tais concepções
inviabilizam a produção de conhecimentos qualificados sobre a importância de se
ressaltar a pluralidade e riqueza culturais da África. Com isso, há a inexata
proposição de que o continente é homogêneo no que se refere ao aspecto de suas
crenças e dogmas. Além disso, verifica-se a existência da utilização de tal
discurso com a finalidade perpetrar ideais preconceituosos na formação do
pensamento social.
A função da religião no âmago das
sociedades africanas consiste em estruturar e organizar sistemática e
funcionalmente suas relações interpessoais e intercomunitárias. Em outras
palavras, as tradições religiosas possuíam a função de manter um equilíbrio
entre as comunidades no interior do continente.
Uma das peculiaridades inerentes ao
objeto de estudo consiste em associar princípios religiosos com a necessidade
de se encontrar uma explicação para os fenômenos que não são efetivamente
concretos, que estão além da interação do Ser Humano. O poder constituído
envolve um aperfeiçoado processo de transposição do imaginário
místico-religioso para a realidade social. Em outras palavras, há a nítida
postura dos líderes das comunidades africanas em seguir a orientação e
diretrizes impostas pela tradição religiosa do grupo.
Discorrer sobre a religião na África
exige a precaução de se enfatizar suas simbologias e mistificações. Além disso,
deve-se salientar o quanto o continente é plural e peculiar em sua composição
místico-religiosa. Um dos exemplos mais emblemáticos é a civilização egípcia,
com sua singularidade no que diz respeito à organização religiosa associada,
mormente, ao politeísmo e à crença na reencarnação dos mortos. A construção de
suntuosas pirâmides para enterrar o faraó transfigurava o pensamento de toda a
comunidade egípcia, uma simbologia que movimentava a engrenagem da sociedade e
que permitia que o líder máximo do Egito controlasse a vida de todos os seus
súditos de uma forma direta e definitiva.
Diante da inclinação dos povos
africanos ao comércio, que permitia o contato com outros povos, houve a
penetração do cristianismo e do islamismo no continente, principalmente no
reino da Etiópia (primeiro a adotar o cristianismo como religião oficial no
século IV da nossa era). Vale enfatizar que ambas se consolidaram
definitivamente com o avanço dos países europeus em busca de riquezas diversas
e mão de obra escrava nos séculos XV e XVI, uma vez que existia uma nítida
preocupação em catequizar os povos locais.
Além dessas manifestações religiosas
presentes na África por intermédio dos povos europeus, a religião se fez
presente na composição de diversos povos nas chamadas “comunidades primitivas”.
O elemento que caracterizava a união dos membros de tais comunidades era
justamente o conjunto de dogmas e princípios místico-religiosos. A maneira pela
qual os europeus encaravam a religião genuinamente africana estava associada
rotineiramente à bruxaria e feitiçaria. O universo e sua composição mágica eram
explicados através de uma infinidade de espíritos que habitavam em várias
dimensões do além. O politeísmo, mais uma vez, tornou-se uma peculiaridade na
estrutura funcional de tais comunidades.
A orientação de como agir diante
de várias situações da vida era traçada valendo-se do além, dos antepassados,
dos ancestrais, dos heróis fundadores, dos deuses, dos espíritos e da grande
variedade de seres sobrenaturais que habitavam dimensões com as quais era
possível fazer contato sob certas condições específicas (...). As sociedades
africanas toda a vida estava ligada ao além, a dimensões que só especialistas
ritos e objetos sacralizados podiam atingir[2].
Portanto, torna-se importante
ressaltar que a religião no interior das sociedades africanas tinha a função de
delinear e, mormente, aplicar as normas de conduta aos indivíduos. Além disso,
verifica-se a importância dos anciãos na tomada de decisões no interior das
comunidades, pois são considerados como os verdadeiros portadores da sabedoria
e produtores de conhecimentos essenciais ao funcionamento da engrenagem social.
Por isso, antes de conceder a algum líder o comando da comunidade, existe um
processo de consultas a oráculos e divindades diversas, objetivando, sobremaneira,
encontrar uma orientação segura para o futuro da sociedade.
Capítulo 2: A religião afro-brasileira como forma de resistência das comunidades
negras.
Este capítulo tem como objeto de
análise as transformações estruturais ocorridas no universo místico-religioso
das comunidades africanas no Brasil. Tendo como parâmetro a entrada dos negros
africanos escravizados no país no período colonial, viabilizando a gênese de
uma forma peculiar de modificação da realidade social, realizar-se-á um debate
sobre os mecanismos empregados pelos cativos com a finalidade de encontrar uma
explicação presumível para sua nova condição de Ser Humano submisso a uma ordem
pautada no trabalho compulsório.
Tentando encontrar nas entidades
oriundas do panteão mágico-religioso de sua localidade de origem, os africanos
que desembarcaram no Brasil tentavam modificar seu espaço geopolítico no
intuito de se adaptar de uma forma significativa em seu novo ambiente. Com
isso, utilizavam-se suas crenças e seus conhecimentos religiosos com a intenção
de resistir aos castigos físicos e trabalho excessivo a que estavam sujeitos.
Vale destacar que, tendo como orientação seus princípios religiosos, os
escravos afro-brasileiros encontravam determinadas orientações de orixás e
entidades tradicionais da África, que se adequavam aos conflitos que surgiam em
seu cotidiano.
Além disso, verifica-se a existência
de uma inclinação em restabelecer novos laços de solidariedade com os demais
escravizados na localidade em que se encontravam. Com isso, ocorria uma
incipiente construção de uma nova identidade, tendo como peculiaridade a
mistura de crenças e dogmas místico-religiosas.
Contudo,
vale destacar as dificuldades encontradas pelos cativos no Brasil no tocante à
construção desses novos laços de solidariedade, uma vez que os proprietários de
escravos procuravam comprá-los de regiões distintas, objetivando inibir a
comunicação entre eles. Isso inviabilizava a formação de movimentos de rebelião
contra a ordem previamente estabelecida. Esses mecanismos, sobremaneira, culminaram
num amálgama de emoções e sentimentos em que os negros africanos escravizados
estruturavam uma nova forma de analisar sua condição como agente construtor de
sua própria história.
Deve-se considerar que os escravos
que aportavam no Brasil tinham uma cultura previamente estabelecida, além de um
conjunto de conhecimentos elaborados e adequados à sua realidade.
Desmistificando conjecturas preconceituosas sobre o assunto, os escravos
traziam em suas bagagens um conjunto de crenças e ideais tradicionais arraigadas
ao longo dos séculos. Mesmo sendo impedidos de praticarem sua religião os
cativos criavam mecanismos para ocultar seus rituais e adorações a entidades
africanas, moldando-se à sua nova realidade em que estavam inseridos
coercitivamente.
Os africanos também trouxeram
seus credos para a América Portuguesa. Entre eles cerimônias religiosas como
acotundá, o candomblé e o calundu, além de cultos envolvendo os mortos,
corriqueiramente praticados. (...) Muito dos elementos rituais que se encontram
hoje no candomblé baiano, bem como xangôs do Nordeste já estavam presentes
nesses rituais: o emprego de galo e galinhas nos sacrifícios de animais,
moringas, os recipientes com terra fétida, a predominância feminina, o destaque
de uma das dançantes identificada com o líder cerimonial, a possessão e o
transe ao som de atabaques. [3]
Vale destacar que, como uma forma de
manter suas tradições, os escravos remodelaram sua maneira de viver. Em outras
palavras, os cativos não deixaram de cultuar seus deuses, apenas sistematizam
mecanismos funcionais no sentido de manterem suas crenças e tradições presentes
no seu cotidiano. Com isso, verifica-se que houve a simbiose com a cultura
local, predominantemente católica, em decorrência dos colonizadores portugueses.
Em meados dos séculos XV e XVI
(período conhecido pelo início das grandes navegações ibéricas), o Estado
estava atrelado à igreja. Com isso, após a efetivação da colonização lusa no
país, a religião oficial da colônia também se tornou o catolicismo. Os
habitantes da região eram obrigados a frequentar as missas e procissões
ocorridas nas cidades. Nesse sentido, a alta cúpula da Igreja Católica iniciou
um processo de perseguição aos cultos de origem africana, encarados como
nítidas manifestações demoníacas.
Portanto, a estrutura social do
período colonial brasileiro foi orquestrada com a finalidade de manter os
privilégios de determinadas camadas. Manifestações culturais e religiosas das
comunidades consideradas inferiores, como os escravos, não tinham a autorização
para serem praticadas, pois serviriam como elementos importantes para garantir
a unidade entre as comunidades africanas.
Foi nesse ambiente repressivo que os
cativos criaram artimanhas com a finalidade de manter em voga suas crenças e
tradições. Movimentos surgiram em diversos cantos do país com o intuito de
fortalecer seus laços tradicionais com a África, sua cultura, suas crenças e
tradições milenares. Uma das alternativas encontradas foi realizar uma mistura
com os costumes religiosos locais, principalmente com a religião oficial de
Portugal, o catolicismo. É importante assinalar que é comum ocorrer misturas e
interações entre as religiões genuinamente africanas, suas ramificações e
peculiaridades brasileiras, com as crenças da sociedade local.
No caso específico das comunidades
escravizadas pelo colonialismo luso, torna-se fundamental afirmar que a
adaptação de suas tradições com a cultura local era a base de uma postura de
contestação e rebeldia ao poder autoritário constituído. Ou seja, mesmo diante
de todo aparato repressivo e marcado pela violência e contundentemente
manipulado pelos portugueses, os escravos conseguiam manter vivas suas ideias e
crenças. Foi um mecanismo adotado com o intuito de negar os costumes cristãos
impostos de uma forma coercitiva pelos portugueses e continuarem cultuando seus
deuses e entidades tradicionais originárias do continente africano.
Portanto, pode-se discorrer que a
sociedade brasileira, após a chegada dos escravos africanos, se moldou seguindo
novos parâmetros. A cultura, costumes e valores tradicionais dos
afrodescendentes foram assimilados e incorporados pelas peculiaridades locais,
ou seja, o Brasil contou com a contribuição significativa dos africanos no
processo de sua fundamentação social. Em outras palavras, pode-se afirmar que o
país é marcado pela influência de três etnias diferentes em sua composição histórica;
o indígena, autóctone do continente americano; os portugueses, responsáveis
pela implantação do processo de colonização; e os escravos africanos, que
trouxeram na bagagem uma infinidade de crenças e tradições. Esse amálgama de
culturas é singular e completamente enriquecedor do ponto de vista de
possibilidade e iterações inerente à composição social.
Voltando para a questão dos escravos
e sua religião no Brasil, a sua influência é perceptível em diversos âmbitos. A
remodelação da sua cultura à religião do país proporcionou a formação de novos
princípios e identidades peculiares. O objetivo primordial consistia em sistematizar
um conjunto de ações no sentido de resistir à brutalidade dos colonizadores e
perpetuar seus valores tradicionais. Como exemplo, pode-se citar a existência e
a formação dos terreiros de candomblé, espaços destinados ao culto aos orixás,
onde ocorre uma busca incessante pela solução imediata dos problemas
enfrentados pelos negros escravizados. Importante salientar que tais espaços
são de fundamental significância no sentido de garantir as tradições de
diversos povos que desembarcaram no Brasil para exerceram variadas atividades
orquestradas pelas diretrizes econômicas impostas pelos colonizadores lusos.
Espaço de resistência
étnico-cultural híbrido, que mantém viva as tradições de diversos povos
africanos agrupados num mesmo espaço. Estruturas religiosas que resistiram aos
diversos tipos de represálias e perseguições, pautadas em preconceitos fundados
em teorias de superioridade e diferença de raças que subjugaram o negro
africano e seus descendentes à condição de inferiores. [4]
Além disso, os escravos africanos
procuravam nos rituais de possessão uma explicação para o que estava
acontecendo, sua situação de total submissão ao poder exercido pelos
colonizadores. Os orixás e demais entidades do além serviam de alicerce para a
superação das dificuldades enfrentadas no novo mundo. Com isso, segundo relatos
sobre o assunto, os escravos procuravam, através de seus rituais e crença no
sobrenatural, fechar o corpo para os castigos impingidos por seus proprietários.
Acrescentando o que foi exposto
acima, os africanos foram perspicazes no processo de absorver as culturas
autóctones. Em outras palavras, os escravos conseguiram sistematizar um novo
padrão religioso incorporando a cultura indígena e suas particularidades no
candomblé. Deve-se destacar a figura dos caboclos, resgatando as singularidades
e perpetuando a cultura indígena no âmago da religiosidade africana. Vale
destacar que ocorreu a associação com o personagem do Preto Velho, místico
elemento da reminiscência escravocrata. Essa mistura presente na umbanda
simboliza a miscigenação dos elementos tradicionais da religião africana na
composição da sociedade brasileira e sua atual formação.
Contudo, verifica-se que atualmente
existe uma inclinação em desqualificar as tradições religiosas africanas na
sociedade brasileira. Os terreiros de candomblé e umbanda como exemplo, são
associados comumente a forças malignas e ganham um sentido depreciativo. Atrás
de afirmações de cunho preconceituosas, embasado por falta de conhecimento
sobre o assunto em questão, existe um ideal de superioridade de determinados
setores da sociedade. As religiões afro-brasileiras são vistas como o baluarte
do misticismo e, até certo ponto, da feitiçaria e diversificação de elementos associados
a sentidos demoníacos.
Como exemplo pode-se citar a
macumba, que surgiu nas imediações da cidade do Rio de Janeiro, através dos
escravos que chegaram de regiões como Moçambique, Angola e Congo. Essa prática
é costumeiramente associada a movimentos de magia negra e ligada às forças
malignas. Contudo, a macumba é apenas uma variante do candomblé e da umbanda,
mas acabou ganhando um sentido depreciativo em decorrência da perseguição
sofrida pela Igreja Católica em meados do século XIX.
Umas das praticas que sofrem severas
críticas são os despachos realizados nas encruzilhadas, consideradas o ponto de
passagem de dois mundos. Entretanto, vale destacar que nem sempre tal prática
está condicionada a fazer o mal, mas sim em fazer oferendas ao orixá Exu, no intuito
de pedir proteção. É a única das expressões mais visíveis da religiosidade
afro-brasileira fora do templo. Esclarecendo o objeto de análise em questão,
existem despachos que são feitos para provocar o mal aos outros (mais no
candomblé não existe distinção entre o bem e o mal, diferentemente da umbanda),
mas nenhuma das manifestações religiosas patrocina tal prática.
Com
o passar dos anos e, sobretudo com o estabelecimento de protótipos de governos
previamente elaborados, verifica-se a existência da postura de construir uma
identidade nacional desvinculada com as tradições africanas. Com isso, as
religiões afrodescendentes foram relegadas a um conjunto de conjecturas
inverídicas e totalmente preconceituosas. A participação do negro na sociedade
brasileira, sobremaneira, como agente ativo construtor da história foi
desconsiderado de uma forma significativa.
Somente em meados da década de 1930,
no período do governo de Getúlio Vargas, que incentivava a construção de uma
identidade nacional, vários escritores pensaram a respeito do papel que o negro
exercia na estrutura funcional e construtiva da identidade da nação brasileira
no processo histórico conhecido como de longa duração. Isso proporcionou uma
relativa valorização da cultura africana no processo de construção do Estado
nacional. Mesmo a religião católica sendo considerado oficial do país, o
governo outorgou a liberdade de culto, garantindo os direitos civis básicos à
população do Estado brasileiro. Porém, mesmo assim as tradições
afrodescendentes foram estigmatizadas pela elite intelectualizada do país.
Vale destacar que no período
subsequente, no estabelecimento do golpe militar de 1964, houve a
intensificação pela busca da sistematização de um conjunto de preceitos e
proposições no sentido de construir um protótipo da nação brasileira. Resultado
da procura pela legitimação do regime político estabelecido, o governo militar
tentou resgatar todas as camadas da sociedade brasileira, exceto a cultura
afro-brasileira, pois a alta cúpula da Igreja Católica serviu de alicerce para
a implantação do golpe militar.
O ponto culminante da postura
discriminatória do regime militar foi com a perseguição ao movimento negro,
considerado supérfluos imitadores das tradicionais agitações norte-americanas
que buscavam estabelecer a igualdade racial no país. Consequentemente, as
religiões de origem africana foram perseguidas e ganharam idealizações
associadas a noções preconceituosas e sem um embasado teórico consistente. Com isso, o ideal de “democracia racial” foi
comumente modificado, enfatizando tão-somente a presença do branco europeu e
das populações autóctones.
Conclusão
A história do Brasil é caracterizada
pela pluralidade cultural e formação étnica diversa, onde os elementos negro e
indígena são essenciais para se compreender a complexidade de sua formação e
estruturação ao longo do tempo. Abordar a heterogeneidade da constituição da
sociedade brasileira é importante para se situar atualmente. Em outras
palavras, como mecanismo efetivo para se compreender as características da
nação brasileira, deve-se abordar a trajetória do negro em nossa comunidade e a
perpetuação de seus valores, tradições e crenças.
Além disso, deve-se ressaltar que,
como fator de providencial relevância para o fortalecimento dos costumes
afrodescendentes no Brasil, a simbiose com a chamada “cultura religiosa
predominante”, o catolicismo teve papel de destaque. Na verdade, constata-se que esse fato é
comumente negligenciado por razões que envolvem o preconceito e falta de
conhecimento sistemático sobre o assunto. Os valores e ideias, trazidos pelos
africanos e estabelecidos no país ao longo da história, estão mescladas por
pressupostos que não condizem com a realidade, associados a noções
pré-concebidas e ligadas a rituais considerados como protótipos de energias
negativas.
Os negros africano, trazidos ao
Brasil para serem utilizados pelo regime escravocrata, chegavam contendo um
emaranhado de tradições e crenças. As comunidades africanas, com organizações
políticas e culturais diversificadas, possuíam um conjunto dogmático
caracteristicamente diferente entre as nações estabelecidas tanto no litoral
quanto nas áreas interioranas.
Os proprietários procuravam comprar os cativos
provenientes de localidades diferentes, com a finalidade de inviabilizar
movimentos de resistência à ordem estabelecida. Porém, os africanos e seus
descendentes conseguiram orquestrar um complexo aparato místico-religioso,
marcado pela mistura com os elementos do catolicismo, responsável pela
perpetuação de seus valores e tradições. Como fator indispensável para se
entender a participação dos negros na sociedade brasileira, algumas noções
devem ser desmitificadas, como as peculiaridades do candomblé e da umbanda,
movimentos originários da África, mas que tiveram sua estrutura funcional e
organizacional modificada pelo catolicismo.
Vale
destacar que, como o objeto primordial da pesquisa propõe responder, o universo
religioso dos afrodescendentes é um importante elemento de resistência à ordem
estabelecida pelas instituições dirigentes. Isso ocorre na composição atual das
relações sociais, onde os negros encontram na sua religião os mecanismos
necessários para garantir a sua sobrevivência em meio ao descaso e atitudes
preconceituosas. Importante salientar que essa tradição de luta pela sobrevivência
da cultura negra no Brasil teve sua gênese nos combates travado pelos
escravizados no sentido de promover a resistência ao poder excludente
constituído no processo de colonização.
Enfim, deve-se destacar
que os movimentos religiosos oriundos do continente africano são importantes no
sentido de se garantir incólume a cultura dos negros na composição social
atual. Em outras palavras, tal como ocorreu no processo de implantação do
regime colonial, onde os africanos utilizaram a religião como forma de
resistência, as comunidades afrodescendentes atualmente canalizam seus esforços
no sentido de viabilizar a tenacidade de suas crenças e tradições de origem
milenar. Portanto, cabe aos profissionais envolvidos com a produção de conhecimentos
sobre as religiões genuinamente marcadas pelo sincretismo religioso, promover a
desmistificação de conceitos pejorativos sobre o tema abordado.
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