Denomina-se Revolução Industrial as transformações
econômicas ocorridas na Inglaterra a partir das últimas décadas do século
XVIII, tempo em que a máquina a vapor passou a ser sistematicamente utilizada
na produção de mercadorias, em especial na fabricação de tecidos, na mineração
e na metalurgia.
Os artigos passaram a ser produzidos em série, em grande
escala, graças às melhorias técnicas e a uma nova divisão do trabalho. Essas mudanças
levavam à implantação da indústria contemporânea. Criaram-se, ainda, novos
mercados consumidores, muitos pela força das armas. Afinal, à medida que se
industrializavam, os países precisavam ampliar mercados em várias partes do
mundo.
Mecanização do processo produtivo. |
Essas mudanças não foram rápidas: ocorriam desde o início da
Europa Moderna. A expansão marítima dos séculos XV e XVI havia colocado em
contato povos de regiões muito distantes do mundo. Mas, no que se refere à
Europa, as trocas de mercadorias eram desproporcionais em vários casos:
importavam em valor, por exemplo, muito mais no Oriente (China e Índia,
basicamente) do que exportava. Os chineses não se interessavam por quase nenhum
artigo europeu.
A
partir do século XVI, os principais mercados dos comerciantes europeus estavam no
próprio continente e nas colônias americanas, onde lucravam, por exemplo, com a
revenda dos produtos orientais de luxo, como tecidos, tapetes, especiarias e
porcelanas. Além disso, consumiam-se na América produtos agrícolas ou
manufaturados das metrópoles.
A Inglaterra
do século XV era uma sociedade basicamente agrária, mas desde muito tempo
camponeses e artesãos organizados em corporações de ofício se dedicavam à
produção de tecidos grosseiros de lã. Os tecidos de lã de melhor qualidade eram
produzidos em outras partes, principalmente nas cidades flamengas de Flandres,
na Bélgica. Entre os tecidos mais cobiçados, entretanto, estavam os de algodão
produzidos na Índia, não só por conta da qualidade, como também pelo preço.
Os ingleses
tinham a vantagem do acesso mais barato à lã. Enquanto os tecelões de Flandres
tinham de importar grande parte, principalmente da Inglaterra, e pagar altas
tarifas, os ingleses a produziam internamente. No século XVI, com o acelerado
processo de cercamento dos campos e a consequente ampliação dos rebanhos de
carneiros, a matéria-prima ficou ainda mais acessível, e os negociantes de
tecidos passaram a controlar o processo produtivo.
Indústria têxtil - Inglaterra do século XVIII |
Para
a intensificação da produção manufatureira, contribuiu a exploração das minas
de carvão e de ferro. O investimento no aprimoramento de mecanismos hidráulicos
e em novas técnicas permitiu que o minério, antes explorados quase na superfície,
fosse extraído de grandes profundidades. Eram necessários recursos expressivos
para levar a cabo essa exploração. Como muito capital e mão de obra, e poucos
obtiveram grande sucesso.
A exploração
das minas em grande escala teve um efeito multiplicador: desenvolveu outro
setor, o naval, sobretudo no século XVII, já que era necessário o transporte
marítimo e fluvial para levar o carvão às cidades, como ladrões.
Podemos
perceber, assim, as pré-condições que fizeram da Inglaterra a pioneira no processo
de industrialização: uma organização de trabalho baseada no pagamento de
salários aos trabalhadores (cada vez mais concentrados no mesmo espaço urbano
de produção); a exploração de minas de ferro e de carvão (que iriam permitir
futuramente a produção de máquinas e o uso do vapor); e a existência de um
grupo social enriquecido. Tudo contribuiu para o sucesso do que viria a ser a
Revolução Industrial inglesa do século XVIII, com novas técnicas de fiação e
tecelagem e outro tipo de matéria-prima – o algodão.
No século
XVIII, a Inglaterra era um país rico, com a maioria da população vivendo no
campo. Em 1700, a população girava em torno de 6 milhões de pessoas, com cerca
de 70% ocupadas nas atividades agrárias. A produção agrícola, entretanto, vinha
sofrendo mudanças importantes.
Foi importante
também o rápido aumento no processo de cercamento das terras comuns, que
ocorria há séculos na Inglaterra, mas que sofreu enorme impulso na segunda metade
do século XVIII e início do século XIX. As terras comuns eram aquelas que os
camponeses e os aldeões, embora não fossem os proprietários, tinham o direito
de utilizar para caçar, pescar, retirar lenha e madeiras e usar como pasto para
o seus animais.
Por meio
dos chamados cercamentos o governo inglês livrava os proprietários de qualquer
tipo de restrição quanto ao uso das suas terras, incluindo as terras comuns,
podendo dispor delas como quisessem, vendendo-as ou arrendando-as. Houve, na
verdade, uma redefinição da propriedade agrária e das relações de trabalho no
campo.
Crítica de Charlie Chaplin à Revolução Industrial. |
Como
todas as terras, incluindo as terras comuns, passaram a ser alienáveis, os
camponeses não puderam mais usá-las em proveito próprio. Passaram a trabalhar
por jornada para os proprietários ou arrendatários mais ricos ou migraram para
outros lugares.
O cercamento
dos campos foi o elemento decisivo, embora não o único, para o desenvolvimento
da indústria, porque estimulou o avanço da agricultura e o consequente aumento
da produtividade agrícola, facilitando a produção de matéria-prima para as
fábricas. Resultou em mais alimentos para a população e, como consequência, na
diminuição da mortalidade. Provocou, ainda, a liberação de um grande
contingente de trabalhadores, que passaram a se ocupar de outras atividades,
como nas minas de carvão e de ferro e nas fábricas nascentes. É certo que essas
mudanças transformaram profundamente o universo econômico e cultural dos
camponeses, que tiveram de se submeter a uma ordem nova: a do capital. Tornaram-se
assalariados do campo e das cidades.
A fabricação
de tecidos era atividade tradicional na Inglaterra. A maioria das famílias camponesas
estava, de alguma forma, envolvida com o processo de fiar e tecer. No século
XVI, houve empenho dos negociantes de tecidos em centralizar a produção têxtil,
sem concentrar os trabalhadores nas mesma oficina. Eles forneciam materiais
para as fiandeiras e os tecelões, recolhendo o produto e o comercializando nos
mercados interno e externo. A introdução de uma nova matéria-prima, o algodão,
no século XVIII, não mudou, em princípio, essa organização.
Assim,
entre os séculos XVIII e XIX, as formas de trabalho se transformaram
radicalmente. Milhares de trabalhadores, principalmente mulheres e crianças,
concentravam-se em fábricas, sob um regime de serviço intenso e rigoroso. Sem uma
regulamentação específica, calcula-se que a jornada diária de trabalho era
superior a 12 horas. Somente em 1847 apareceram regulamentações que limitavam a
jornada de 10 horas diárias. Em 1850, outra lei estipulou um horário para
encerrar a atividade semanal: duas horas da tarde sábado, com descanso no
domingo – dia tradicionalmente reservado à religião.
Exploração do trabalho infantil durante a Revolução Industrial. |
A introdução
das máquinas no processo produtivo aumentou o montante dos investimentos no
setor têxtil, restringindo o número de empresários com dinheiro para montar
fábricas. A propriedade das máquinas concentrou-se na pessoa do industrial
capitalista, que contratava os operários pagando salários pelas jornadas de
trabalho.
Na fábrica,
os operários atuavam somente em uma etapa da produção – uma mudança radical na
forma de realizar o trabalho. Em outras palavras, o processo produtivo nas
fábricas tendia a se fragmentar: estava em curso uma nova divisão do trabalho.
O sistema
de fábricas impulsionou outras mudanças. Ampliou consideravelmente a população
urbana, especialmente com a expansão do sistema de fábrica para outros setores
da economia, como os de chapéus, sapatos, ferramentas e alimentação. Multiplicava-se,
também, o setor de serviços, sobretudo o comércio. Também cresceu a oferta de
empregos domésticos – criadas, cozinheiras e arrumadeiras – nas casas dos novos
ricos empresários. Na passagem do século XVIII para o XIX, o aumento da
população nas cidades, que não estavam preparadas para receber tanta gente,
teve repercussões sociais significativas. Em cidades como Londres, Manchester,
Liverpool e Leeds multiplicavam-se os bairros pobres – mas os governos locais
não conseguiam atender à nova demanda e promover reformas do espaço urbano. Havia
ruas sem calçamento, lixo por todos os cantos, muitas pessoas morando numa
mesma casa. A situação era propícia para a disseminação de doenças, com
epidemias frequentes de cólera e tifo. Aprofundaram-se as desigualdades sociais
entre ricos e pobres.
As associações
de trabalhadores eram antigas na Inglaterra; funcionavam, em geral, como
instituições de ajuda mútua. Com a industrialização, os sindicatos entraram em
cena, lutando por melhores salários e condições de trabalho. Nessa época, o
Estado apenas reprimia as manifestações operárias. A função do Estado liberal
era manter a ordem; não interferia nas relações entre trabalhadores e
empregados. Afinal, a Câmara dos Comuns era domínio da burguesia... em 1799, o
Parlamento britânico aprovou a “combination law”, proibindo a associação de trabalhadores,
ou seja, o sindicato.
Existia
um forte preconceito em relação aos trabalhadores, tanto por parte da burguesia
quanto dos governantes (que, em geral, eram burgueses). Eram considerados
indivíduos inferiores, brutos, sem educação e com nível intelectual baixo. Mesmo
assim, as elites temiam tanto os trabalhadores como os desocupados,
considerados perigosos. Receavam os quebra-quebras, as invasões de fábricas por
multidões enfurecidas, as passeatas de pobres e desocupados pelas ruas.
Deve-se
frisar que entre 1811 e 1819, houve uma série de ataques às fábricas: homens
armados com martelos, machados e pistolas, com rostos pintados de preto e
envolto em cachecóis, invadiam as instalações para quebrar as máquinas, vistas
como as grandes vilãs, responsáveis por roubar o emprego dos trabalhadores – em
particular dos tecelões.
Antes
de cada ataque, o proprietário da fábrica recebia uma carta anônima de alerta,
assinada pelo general Nelson Ludd – personagem imaginário criado a partir de
história de Robin Hood. Os primeiros ataques do chamado movimento ludista
ocorreram em Nottingham, onde coexistiam a produção doméstica de tecidos em
oficinas e empresas dotadas de máquinas a vapor. O movimento se irradiou para
outras regiões, contando com enorme apoio popular. Calcula-se que o
quebra-quebra dos ludistas tenha causado um prejuízo de 1,5 milão de libras
esterlinas e a destruição de 30% das máquinas de Nottingham.
Ilustração referente ao movimento conhecido como ludismo. |
A reação
do governo foi violenta, com enforcamentos, masmorras e deportações. Uma lei de
1817, conhecida como a Lei da Rolha, proibiu reuniões públicas e distribuição
de panfletos que incitassem revoltas. O governo chegou a infiltrar pessoas para
fomentar desordens e, dessa forma, poder estimular medidas ainda mais severas. A
repressão inibiu a atuação dos ludistas a partir de 1819.
No final
da década de 1830 surgiu o movimento cartista, mais organizado e centralizado
em reivindicações políticas. A iniciativa partiu da Associação dos
Trabalhadores de Londres, com a divulgação da Carta do Povo (origem do nome
cartismo), redigida por William Lovett e enviada ao Parlamento em 1838.
Os cartistas
queria a aprovação de uma reforma parlamentar que garantisse: uma representação
mais equilibrada nas eleições distritais; a abolição do censo eleitoral exigido
dos candidatos ao Parlamento; o sufrágio universal masculino para os maiores de
21 anos; mandatos parlamentares anuais; voto secreto; pagamento de salário aos
parlamentares; reforma dos distritos eleitorais. O objetivo era claro:
democratizar o Parlamento, permitindo maior acesso ao poder legislativo na
Inglaterra.
As petições
cartistas foram apoiadas por milhares de operários. Em julho de 1838, a carta já
tinha quase 1,3 milhão de assinaturas. Mas, apesar da mobilização popular, não
foi aceita pelo parlamento, o que desencadeou novas manifestações, reprimidas
pela polícia. Lovett foi preso, assim como outros 450 integrantes do movimento,
incluindo os principais líderes.
Em 1840,
com a gradual libertação dos cartistas, o movimento ganhou novo fôlego – em especial
com a Formação da Associação Cartista Nacional, origem do primeiro partido
político popular da época contemporânea. Organizado em seções locais, chegou a
contar com mais de 40 mil associados.
Movimento cartista lutando por melhores condições de vida e de trabalho. |
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