quinta-feira, 3 de março de 2016

A RELIGIÃO AFROBRASILEIRA COMO FORMA DE RESISTÊNCIA AO PRECONCEITO ÉTNICO NA SOCIEDADE BRASILEIRA


CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO EDUCACIONAL ALFA





A RELIGIÃO AFROBRASILEIRA COMO FORMA DE RESISTÊNCIA AO PRECONCEITO ÉTNICO NA SOCIEDADE BRASILEIRA







MOISÉS DE PAULA RODRIGUES









CARATINGA
2015




















CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO EDUCACIONAL ALFA



A RELIGIÃO AFROBRASILEIRA COMO FORMA DE RESISTÊNCIA AO PRECONCEITO ÉTNICO NA SOCIEDADE BRASILEIRA




MOISÉS DE PAULA RODRIGUES


Dissertação apresentada à Coordenação do curso de pós-graduação de Ciência da Religião, da Pontifícia Universidade à Uniandrade, como requisito parcial para a obtenção do Grau de pós-graduado.



CARATINGA
2015












Sumário











Resumo


A história da construção da identidade do povo brasileiro é delineada por contornos peculiares, onde a miscigenação de variados elementos culturais se fazem presentes. Com isso, verifica-se a simbiose de mecanismos diversificados na elaboração sistemática da cultura da sociedade. É inegável que a contribuição dos negros e seus valores e costumes tradicionais, herança trazida do continente africano, incorporou uma configuração específica em solo nacional. Com isso, a miscigenação com a cultura predominante no Brasil colonial, o catolicismo, promoveu sua adequação à nação em processo de construção. Portanto, a chegada da religião africana no Brasil se tornou presumível com o estabelecimento do aparato colonial orquestrado pelos portugueses. Ao chegarem ao país, um ambiente distinto de sua localidade de origem, os escravos desenvolveram mecanismos no sentido de manterem suas crenças e tradições. A alternativa encontrada foi promover a mistura com elementos inerentes ao catolicismo, com a finalidade, mormente, de ocultar suas crenças do poder vigente. Entretanto, algumas conjecturas preconceituosas e providas de noções inverídicas sobre o assunto, ainda são vinculadas nos grandes veículos de comunicação. Em decorrência desse fato, deve-se enfatizar que as práticas preconceituosas ainda se fazem presentes em nossa comunidade. Mesmo com o poder governamental adotando medidas para enfraquecer as peculiaridades de sua religião, os afrodescendentes obtiveram sucesso no sentido de viabilizar o fortalecimento de seus valores no âmago da sociedade. Com isso, a religião se tornou um elemento de fundamental importância para instituir importantes movimentos de resistência ao preconceito. Vale ressaltar que tal assertiva é aplicada nos dias atuais, pois os afrodescendentes ainda buscam pela valorização de suas crenças e tradições. Não há a preocupação em desmistificar as ideias relacionadas ao objeto de estudo em questão, com a finalidade, sobretudo, de diminuir o racismo e o isolamento com relação às religiões de origem africana.




Introdução

            A desmistificação de alguns conceitos empregados na sociedade ao longo da história, principalmente concernente à estrutura funcional do continente africano, é um dos objetivos do trabalho apresentado. Com isso, torna-se possível analisar com mais detalhes as características da cultura trazida pelos escravos africanos ao país a partir do século XVI. A fundamentação teórica abordada consiste no aspecto intrínseco da religião e sua função no sentido de promover a sobrevivência das tradições das camadas consideradas minoritárias na sociedade.
            Objetivando analisar a religião genuinamente africana, o primeiro capítulo considerou as crenças e tradições milenares dos povos africanos. Houve a preocupação em questionar noções inverídicas e totalmente ultrapassadas sobre o assunto em questão. Em outras palavras, houve a dissociação da imagem do continente africano ao ideal de homogeneidade e insignificância no âmago da história universal. Como alicerces da pesquisa foram apresentados algumas ideias de teóricos renomados que associam a história da África a pressupostos de selvageria e barbárie, como se os africanos não fossem agentes ativos da construção da sua própria história.
Vale ressaltar que a África é peculiarmente marcada pela diversidade de preceitos e culturas, uma vez que as comunidades que compõem o continente se dedicavam consideravelmente ao comércio com outros povos, facilitando a permutação de ideias e valores. Com isso, o continente africano representa um mosaico, onde milhares de povos com traços e costumes culturais diversificados se encontram. Nem mesmo os dialetos diferentes foram empecilhos na troca de concepções filosóficas e fundamentação de pressupostos religiosos díspares.
            No que tange o segundo capítulo, ocorreu a sistematização de um conjunto de ideias que evidenciavam a importância da religião como um suporte empregado pelos escravos no sentido de garantirem sua resistência física e, sobretudo, cultural. Vale destacar que o aparelho repressivo orquestrado pela ordem colonial não desestruturou o universo místico-religioso dos africanos que chegaram ao Brasil. Com isso, os afrodescendentes conseguiram fundamentar uma nova identidade no país, caracterizada pela diversidade de concepções e pluralismo de valores e crenças.
Contudo, deve-se enfatizar que, no transcorrer da pesquisa, o objeto de análise foi exposto de uma forma imparcial. Em outras palavras, as ideais filosofias particulares não se fizeram presentes no processo de elaboração da pesquisa. Um dos fatos debatidos ao longo do trabalho consiste em apresentar a incorporação de elementos característicos do catolicismo na religião originária do continente africano. Com isso, verifica-se a existência de uma nova forma de se inserir a figura do negro e todo o seu universo mitológico na sociedade brasileira. A estrutura fundamental da religião trazida pelos escravos foi sendo adaptadas à realidade local, buscando, mormente, na religião católica a sua personificação singular.

Capítulo 1: África: pluralidade de dogmas religiosos


Um dos objetivos do trabalho apresentado consiste em sistematizar um conjunto de crenças e dogmas que fizeram parte do universo místico das sociedades africanas, tendo como parâmetro as modificações ocorridas no aspecto religioso ao desembarcar em portos brasileiros em meados do século XVI. Torna-se de providencial importância analisar as características das sociedades africanas, em seu âmbito cultural e religioso, entes de chegar ao Brasil, isto é, discorrer sobre a religião genuinamente africana.
Vale ressaltar que o continente africano é marcado por uma nítida diversidade cultural. No tocante ao plano religioso, verifica-se que a estrutura orquestrada pelos líderes locais obedece a uma simbologia específica. Em outras palavras, existem diversos fatores responsáveis pelas especificidades culturais e religiosas das sociedades africanas.
Um dos aspectos verificados diz respeito ao comércio, ou seja, a porta de entrada para a consolidação da religião nas comunidades são as transações comerciais. O contato com o império romano por parte das sociedades do norte da África, principalmente para o abastecimento de grãos, por exemplo, contribuiu para a penetração do cristianismo na região. Sem contar que, com o comércio marítimo realizado através mar vermelho e pelo istmo de Suez, facilitou a entrada do islamismo na localidade a posteriori.
Portanto, vale destacar que o cristianismo e o islamismo se fizeram presentes, juntamente com as tradições locais, na história de formação e constituição das populações autóctones. Povos se formaram e se estruturaram seguindo princípios e dogmas religiosos dos povos europeus em concomitância, contribuindo para a diversificação organizacional das comunidades tradicionais.
Torna-se de providencial importância analisar algumas conjecturas preconceituosas sobre a história do continente africano. Em diversas esferas da nossa sociedade, até mesmo no ambiente da elite científica nos deparamos com discursos que desvalorizam a pluralidade cultural da África. Com isso, o continente africano constitui uma incógnita, uma barreira intransponível, um objeto de conhecimento que está além da capacidade humana de interação. Um dos equívocos verificados consiste em apresentar o continente como algo homogêneo em sua estruturação religiosa, associando a sua história à ação dos colonizadores europeus, sistematizando um conjunto de ideais racistas com a finalidade de desqualificar os povos africanos.
No estado de selvageria achamos o africano, enquanto podemos observá-lo e assim tem permanecido. O negro representa o homem natural em toda a sua barbárie e violência; para compreendê-lo devemos esquecer todas as representações europeias. Devemos esquecer Deus e a lei moral. Para compreendê-lo exatamente, devemos abstrair de todo respeito e moralidade, de todo o sentimento. Tudo isto está no homem em seu estado bruto, em cujo caráter nada se encontra que pareça humano[1].
            Vale destacar que tais concepções inviabilizam a produção de conhecimentos qualificados sobre a importância de se ressaltar a pluralidade e riqueza culturais da África. Com isso, há a inexata proposição de que o continente é homogêneo no que se refere ao aspecto de suas crenças e dogmas. Além disso, verifica-se a existência da utilização de tal discurso com a finalidade perpetrar ideais preconceituosos na formação do pensamento social.
            A função da religião no âmago das sociedades africanas consiste em estruturar e organizar sistemática e funcionalmente suas relações interpessoais e intercomunitárias. Em outras palavras, as tradições religiosas possuíam a função de manter um equilíbrio entre as comunidades no interior do continente.
Uma das peculiaridades inerentes ao objeto de estudo consiste em associar princípios religiosos com a necessidade de se encontrar uma explicação para os fenômenos que não são efetivamente concretos, que estão além da interação do Ser Humano. O poder constituído envolve um aperfeiçoado processo de transposição do imaginário místico-religioso para a realidade social. Em outras palavras, há a nítida postura dos líderes das comunidades africanas em seguir a orientação e diretrizes impostas pela tradição religiosa do grupo.  
            Discorrer sobre a religião na África exige a precaução de se enfatizar suas simbologias e mistificações. Além disso, deve-se salientar o quanto o continente é plural e peculiar em sua composição místico-religiosa. Um dos exemplos mais emblemáticos é a civilização egípcia, com sua singularidade no que diz respeito à organização religiosa associada, mormente, ao politeísmo e à crença na reencarnação dos mortos. A construção de suntuosas pirâmides para enterrar o faraó transfigurava o pensamento de toda a comunidade egípcia, uma simbologia que movimentava a engrenagem da sociedade e que permitia que o líder máximo do Egito controlasse a vida de todos os seus súditos de uma forma direta e definitiva. 
            Diante da inclinação dos povos africanos ao comércio, que permitia o contato com outros povos, houve a penetração do cristianismo e do islamismo no continente, principalmente no reino da Etiópia (primeiro a adotar o cristianismo como religião oficial no século IV da nossa era). Vale enfatizar que ambas se consolidaram definitivamente com o avanço dos países europeus em busca de riquezas diversas e mão de obra escrava nos séculos XV e XVI, uma vez que existia uma nítida preocupação em catequizar os povos locais.
            Além dessas manifestações religiosas presentes na África por intermédio dos povos europeus, a religião se fez presente na composição de diversos povos nas chamadas “comunidades primitivas”. O elemento que caracterizava a união dos membros de tais comunidades era justamente o conjunto de dogmas e princípios místico-religiosos. A maneira pela qual os europeus encaravam a religião genuinamente africana estava associada rotineiramente à bruxaria e feitiçaria. O universo e sua composição mágica eram explicados através de uma infinidade de espíritos que habitavam em várias dimensões do além. O politeísmo, mais uma vez, tornou-se uma peculiaridade na estrutura funcional de tais comunidades.
A orientação de como agir diante de várias situações da vida era traçada valendo-se do além, dos antepassados, dos ancestrais, dos heróis fundadores, dos deuses, dos espíritos e da grande variedade de seres sobrenaturais que habitavam dimensões com as quais era possível fazer contato sob certas condições específicas (...). As sociedades africanas toda a vida estava ligada ao além, a dimensões que só especialistas ritos e objetos sacralizados podiam atingir[2].
            Portanto, torna-se importante ressaltar que a religião no interior das sociedades africanas tinha a função de delinear e, mormente, aplicar as normas de conduta aos indivíduos. Além disso, verifica-se a importância dos anciãos na tomada de decisões no interior das comunidades, pois são considerados como os verdadeiros portadores da sabedoria e produtores de conhecimentos essenciais ao funcionamento da engrenagem social. Por isso, antes de conceder a algum líder o comando da comunidade, existe um processo de consultas a oráculos e divindades diversas, objetivando, sobremaneira, encontrar uma orientação segura para o futuro da sociedade.

Capítulo 2: A religião afro-brasileira como forma de resistência das comunidades negras.


            Este capítulo tem como objeto de análise as transformações estruturais ocorridas no universo místico-religioso das comunidades africanas no Brasil. Tendo como parâmetro a entrada dos negros africanos escravizados no país no período colonial, viabilizando a gênese de uma forma peculiar de modificação da realidade social, realizar-se-á um debate sobre os mecanismos empregados pelos cativos com a finalidade de encontrar uma explicação presumível para sua nova condição de Ser Humano submisso a uma ordem pautada no trabalho compulsório.
            Tentando encontrar nas entidades oriundas do panteão mágico-religioso de sua localidade de origem, os africanos que desembarcaram no Brasil tentavam modificar seu espaço geopolítico no intuito de se adaptar de uma forma significativa em seu novo ambiente. Com isso, utilizavam-se suas crenças e seus conhecimentos religiosos com a intenção de resistir aos castigos físicos e trabalho excessivo a que estavam sujeitos. Vale destacar que, tendo como orientação seus princípios religiosos, os escravos afro-brasileiros encontravam determinadas orientações de orixás e entidades tradicionais da África, que se adequavam aos conflitos que surgiam em seu cotidiano.
            Além disso, verifica-se a existência de uma inclinação em restabelecer novos laços de solidariedade com os demais escravizados na localidade em que se encontravam. Com isso, ocorria uma incipiente construção de uma nova identidade, tendo como peculiaridade a mistura de crenças e dogmas místico-religiosas.
            Contudo, vale destacar as dificuldades encontradas pelos cativos no Brasil no tocante à construção desses novos laços de solidariedade, uma vez que os proprietários de escravos procuravam comprá-los de regiões distintas, objetivando inibir a comunicação entre eles. Isso inviabilizava a formação de movimentos de rebelião contra a ordem previamente estabelecida. Esses mecanismos, sobremaneira, culminaram num amálgama de emoções e sentimentos em que os negros africanos escravizados estruturavam uma nova forma de analisar sua condição como agente construtor de sua própria história.  
            Deve-se considerar que os escravos que aportavam no Brasil tinham uma cultura previamente estabelecida, além de um conjunto de conhecimentos elaborados e adequados à sua realidade. Desmistificando conjecturas preconceituosas sobre o assunto, os escravos traziam em suas bagagens um conjunto de crenças e ideais tradicionais arraigadas ao longo dos séculos. Mesmo sendo impedidos de praticarem sua religião os cativos criavam mecanismos para ocultar seus rituais e adorações a entidades africanas, moldando-se à sua nova realidade em que estavam inseridos coercitivamente.

Os africanos também trouxeram seus credos para a América Portuguesa. Entre eles cerimônias religiosas como acotundá, o candomblé e o calundu, além de cultos envolvendo os mortos, corriqueiramente praticados. (...) Muito dos elementos rituais que se encontram hoje no candomblé baiano, bem como xangôs do Nordeste já estavam presentes nesses rituais: o emprego de galo e galinhas nos sacrifícios de animais, moringas, os recipientes com terra fétida, a predominância feminina, o destaque de uma das dançantes identificada com o líder cerimonial, a possessão e o transe ao som de atabaques. [3]

            Vale destacar que, como uma forma de manter suas tradições, os escravos remodelaram sua maneira de viver. Em outras palavras, os cativos não deixaram de cultuar seus deuses, apenas sistematizam mecanismos funcionais no sentido de manterem suas crenças e tradições presentes no seu cotidiano. Com isso, verifica-se que houve a simbiose com a cultura local, predominantemente católica, em decorrência dos colonizadores portugueses.
            Em meados dos séculos XV e XVI (período conhecido pelo início das grandes navegações ibéricas), o Estado estava atrelado à igreja. Com isso, após a efetivação da colonização lusa no país, a religião oficial da colônia também se tornou o catolicismo. Os habitantes da região eram obrigados a frequentar as missas e procissões ocorridas nas cidades. Nesse sentido, a alta cúpula da Igreja Católica iniciou um processo de perseguição aos cultos de origem africana, encarados como nítidas manifestações demoníacas.
            Portanto, a estrutura social do período colonial brasileiro foi orquestrada com a finalidade de manter os privilégios de determinadas camadas. Manifestações culturais e religiosas das comunidades consideradas inferiores, como os escravos, não tinham a autorização para serem praticadas, pois serviriam como elementos importantes para garantir a unidade entre as comunidades africanas.
            Foi nesse ambiente repressivo que os cativos criaram artimanhas com a finalidade de manter em voga suas crenças e tradições. Movimentos surgiram em diversos cantos do país com o intuito de fortalecer seus laços tradicionais com a África, sua cultura, suas crenças e tradições milenares. Uma das alternativas encontradas foi realizar uma mistura com os costumes religiosos locais, principalmente com a religião oficial de Portugal, o catolicismo. É importante assinalar que é comum ocorrer misturas e interações entre as religiões genuinamente africanas, suas ramificações e peculiaridades brasileiras, com as crenças da sociedade local.
            No caso específico das comunidades escravizadas pelo colonialismo luso, torna-se fundamental afirmar que a adaptação de suas tradições com a cultura local era a base de uma postura de contestação e rebeldia ao poder autoritário constituído. Ou seja, mesmo diante de todo aparato repressivo e marcado pela violência e contundentemente manipulado pelos portugueses, os escravos conseguiam manter vivas suas ideias e crenças. Foi um mecanismo adotado com o intuito de negar os costumes cristãos impostos de uma forma coercitiva pelos portugueses e continuarem cultuando seus deuses e entidades tradicionais originárias do continente africano.
            Portanto, pode-se discorrer que a sociedade brasileira, após a chegada dos escravos africanos, se moldou seguindo novos parâmetros. A cultura, costumes e valores tradicionais dos afrodescendentes foram assimilados e incorporados pelas peculiaridades locais, ou seja, o Brasil contou com a contribuição significativa dos africanos no processo de sua fundamentação social. Em outras palavras, pode-se afirmar que o país é marcado pela influência de três etnias diferentes em sua composição histórica; o indígena, autóctone do continente americano; os portugueses, responsáveis pela implantação do processo de colonização; e os escravos africanos, que trouxeram na bagagem uma infinidade de crenças e tradições. Esse amálgama de culturas é singular e completamente enriquecedor do ponto de vista de possibilidade e iterações inerente à composição social.
            Voltando para a questão dos escravos e sua religião no Brasil, a sua influência é perceptível em diversos âmbitos. A remodelação da sua cultura à religião do país proporcionou a formação de novos princípios e identidades peculiares. O objetivo primordial consistia em sistematizar um conjunto de ações no sentido de resistir à brutalidade dos colonizadores e perpetuar seus valores tradicionais. Como exemplo, pode-se citar a existência e a formação dos terreiros de candomblé, espaços destinados ao culto aos orixás, onde ocorre uma busca incessante pela solução imediata dos problemas enfrentados pelos negros escravizados. Importante salientar que tais espaços são de fundamental significância no sentido de garantir as tradições de diversos povos que desembarcaram no Brasil para exerceram variadas atividades orquestradas pelas diretrizes econômicas impostas pelos colonizadores lusos.

Espaço de resistência étnico-cultural híbrido, que mantém viva as tradições de diversos povos africanos agrupados num mesmo espaço. Estruturas religiosas que resistiram aos diversos tipos de represálias e perseguições, pautadas em preconceitos fundados em teorias de superioridade e diferença de raças que subjugaram o negro africano e seus descendentes à condição de inferiores. [4]

            Além disso, os escravos africanos procuravam nos rituais de possessão uma explicação para o que estava acontecendo, sua situação de total submissão ao poder exercido pelos colonizadores. Os orixás e demais entidades do além serviam de alicerce para a superação das dificuldades enfrentadas no novo mundo. Com isso, segundo relatos sobre o assunto, os escravos procuravam, através de seus rituais e crença no sobrenatural, fechar o corpo para os castigos impingidos por seus proprietários.
            Acrescentando o que foi exposto acima, os africanos foram perspicazes no processo de absorver as culturas autóctones. Em outras palavras, os escravos conseguiram sistematizar um novo padrão religioso incorporando a cultura indígena e suas particularidades no candomblé. Deve-se destacar a figura dos caboclos, resgatando as singularidades e perpetuando a cultura indígena no âmago da religiosidade africana. Vale destacar que ocorreu a associação com o personagem do Preto Velho, místico elemento da reminiscência escravocrata. Essa mistura presente na umbanda simboliza a miscigenação dos elementos tradicionais da religião africana na composição da sociedade brasileira e sua atual formação.
            Contudo, verifica-se que atualmente existe uma inclinação em desqualificar as tradições religiosas africanas na sociedade brasileira. Os terreiros de candomblé e umbanda como exemplo, são associados comumente a forças malignas e ganham um sentido depreciativo. Atrás de afirmações de cunho preconceituosas, embasado por falta de conhecimento sobre o assunto em questão, existe um ideal de superioridade de determinados setores da sociedade. As religiões afro-brasileiras são vistas como o baluarte do misticismo e, até certo ponto, da feitiçaria e diversificação de elementos associados a sentidos demoníacos.
            Como exemplo pode-se citar a macumba, que surgiu nas imediações da cidade do Rio de Janeiro, através dos escravos que chegaram de regiões como Moçambique, Angola e Congo. Essa prática é costumeiramente associada a movimentos de magia negra e ligada às forças malignas. Contudo, a macumba é apenas uma variante do candomblé e da umbanda, mas acabou ganhando um sentido depreciativo em decorrência da perseguição sofrida pela Igreja Católica em meados do século XIX.
            Umas das praticas que sofrem severas críticas são os despachos realizados nas encruzilhadas, consideradas o ponto de passagem de dois mundos. Entretanto, vale destacar que nem sempre tal prática está condicionada a fazer o mal, mas sim em fazer oferendas ao orixá Exu, no intuito de pedir proteção. É a única das expressões mais visíveis da religiosidade afro-brasileira fora do templo. Esclarecendo o objeto de análise em questão, existem despachos que são feitos para provocar o mal aos outros (mais no candomblé não existe distinção entre o bem e o mal, diferentemente da umbanda), mas nenhuma das manifestações religiosas patrocina tal prática. 
Com o passar dos anos e, sobretudo com o estabelecimento de protótipos de governos previamente elaborados, verifica-se a existência da postura de construir uma identidade nacional desvinculada com as tradições africanas. Com isso, as religiões afrodescendentes foram relegadas a um conjunto de conjecturas inverídicas e totalmente preconceituosas. A participação do negro na sociedade brasileira, sobremaneira, como agente ativo construtor da história foi desconsiderado de uma forma significativa.
            Somente em meados da década de 1930, no período do governo de Getúlio Vargas, que incentivava a construção de uma identidade nacional, vários escritores pensaram a respeito do papel que o negro exercia na estrutura funcional e construtiva da identidade da nação brasileira no processo histórico conhecido como de longa duração. Isso proporcionou uma relativa valorização da cultura africana no processo de construção do Estado nacional. Mesmo a religião católica sendo considerado oficial do país, o governo outorgou a liberdade de culto, garantindo os direitos civis básicos à população do Estado brasileiro. Porém, mesmo assim as tradições afrodescendentes foram estigmatizadas pela elite intelectualizada do país.
            Vale destacar que no período subsequente, no estabelecimento do golpe militar de 1964, houve a intensificação pela busca da sistematização de um conjunto de preceitos e proposições no sentido de construir um protótipo da nação brasileira. Resultado da procura pela legitimação do regime político estabelecido, o governo militar tentou resgatar todas as camadas da sociedade brasileira, exceto a cultura afro-brasileira, pois a alta cúpula da Igreja Católica serviu de alicerce para a implantação do golpe militar.
            O ponto culminante da postura discriminatória do regime militar foi com a perseguição ao movimento negro, considerado supérfluos imitadores das tradicionais agitações norte-americanas que buscavam estabelecer a igualdade racial no país. Consequentemente, as religiões de origem africana foram perseguidas e ganharam idealizações associadas a noções preconceituosas e sem um embasado teórico consistente.  Com isso, o ideal de “democracia racial” foi comumente modificado, enfatizando tão-somente a presença do branco europeu e das populações autóctones.

Conclusão

            A história do Brasil é caracterizada pela pluralidade cultural e formação étnica diversa, onde os elementos negro e indígena são essenciais para se compreender a complexidade de sua formação e estruturação ao longo do tempo. Abordar a heterogeneidade da constituição da sociedade brasileira é importante para se situar atualmente. Em outras palavras, como mecanismo efetivo para se compreender as características da nação brasileira, deve-se abordar a trajetória do negro em nossa comunidade e a perpetuação de seus valores, tradições e crenças.
            Além disso, deve-se ressaltar que, como fator de providencial relevância para o fortalecimento dos costumes afrodescendentes no Brasil, a simbiose com a chamada “cultura religiosa predominante”, o catolicismo teve papel de destaque.  Na verdade, constata-se que esse fato é comumente negligenciado por razões que envolvem o preconceito e falta de conhecimento sistemático sobre o assunto. Os valores e ideias, trazidos pelos africanos e estabelecidos no país ao longo da história, estão mescladas por pressupostos que não condizem com a realidade, associados a noções pré-concebidas e ligadas a rituais considerados como protótipos de energias negativas.
            Os negros africano, trazidos ao Brasil para serem utilizados pelo regime escravocrata, chegavam contendo um emaranhado de tradições e crenças. As comunidades africanas, com organizações políticas e culturais diversificadas, possuíam um conjunto dogmático caracteristicamente diferente entre as nações estabelecidas tanto no litoral quanto nas áreas interioranas.
 Os proprietários procuravam comprar os cativos provenientes de localidades diferentes, com a finalidade de inviabilizar movimentos de resistência à ordem estabelecida. Porém, os africanos e seus descendentes conseguiram orquestrar um complexo aparato místico-religioso, marcado pela mistura com os elementos do catolicismo, responsável pela perpetuação de seus valores e tradições. Como fator indispensável para se entender a participação dos negros na sociedade brasileira, algumas noções devem ser desmitificadas, como as peculiaridades do candomblé e da umbanda, movimentos originários da África, mas que tiveram sua estrutura funcional e organizacional modificada pelo catolicismo.
Vale destacar que, como o objeto primordial da pesquisa propõe responder, o universo religioso dos afrodescendentes é um importante elemento de resistência à ordem estabelecida pelas instituições dirigentes. Isso ocorre na composição atual das relações sociais, onde os negros encontram na sua religião os mecanismos necessários para garantir a sua sobrevivência em meio ao descaso e atitudes preconceituosas. Importante salientar que essa tradição de luta pela sobrevivência da cultura negra no Brasil teve sua gênese nos combates travado pelos escravizados no sentido de promover a resistência ao poder excludente constituído no processo de colonização.
                        Enfim, deve-se destacar que os movimentos religiosos oriundos do continente africano são importantes no sentido de se garantir incólume a cultura dos negros na composição social atual. Em outras palavras, tal como ocorreu no processo de implantação do regime colonial, onde os africanos utilizaram a religião como forma de resistência, as comunidades afrodescendentes atualmente canalizam seus esforços no sentido de viabilizar a tenacidade de suas crenças e tradições de origem milenar. Portanto, cabe aos profissionais envolvidos com a produção de conhecimentos sobre as religiões genuinamente marcadas pelo sincretismo religioso, promover a desmistificação de conceitos pejorativos sobre o tema abordado.

Bibliografia

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·      CANO, Márcio Rogério de Oliveira. A reflexão e a prática no ensino de história. 2ª ed. São Paulo. Blucher, 2012.
·      FAVERO, Yvie. A Religião e as religiões africanas no Brasil. Secretaria Municipal de Educação de Santos/SP. Disponível em: http://www.palmares.gov.br. Acesso em: 15 de Set. 2014.



[1] HERNANDEZ, Leila Maria. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. 2ª ed. São Paulo. Selo negro. 2008. P. 20
[2] SOUZA, Marina de Mello; África e Brasil africano. 2ª ed. São Paulo: ática, 2008. P. 45
[3] FAUSTO, Boris. História do Brasil. 9ª ed. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo. 2001. Pag. 113.
[4] SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. 2ª ed. São Paulo. Ática. 2008. Pág. 146.

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